terça-feira, 24 de dezembro de 2013

ANALISE COMPLETA: O CHILE DE DON SAMPAOLI


PARTE 5 (2): O MODELO DE JOGO CHILENO


          Na segunda metade da última parte da série Chile, analisarei a fundo o modelo ofensivo que norteia a seleção chilena. Time de futebol vistoso, a Roja encantou e fez muitos gols na fase final das eliminatórias sul-americanas. Já deixando claro aos preguiçosos (a maioria), esse post será longo, já que não tem como avaliar um modelo de ataque em 3 parágrafos.

1) PRINCÍPIOS BÁSICOS OFENSIVOS DA EQUIPE CHILENA

        Para todo modelo de jogo, existem princípios e sub-princípios que norteiam as tomadas de decisões dos jogadores e da equipe como unidade. No caso dos de ataque, os PRINCÍPIOS se dividem nos seguintes elementos:

- CIRCULAÇÃO DA BOLA: Esse elemento determina como a bola passa pelos jogadores e pelos setores da equipe na produção do ataque. No caso desse time, a armação das jogadas tende a começar pelo meio nos setores mais recuados através dos volantes e dos meias para que se chegue às laterais nos alas e nos pontas em posições mais avançadas, através de passes curtos e verticais (que visam a progressão da bola para a frente).

Bola conduzida pelo meia no centro vai ser jogada ao lateral para que ele cruze ou entre na área

- RITMO DA EQUIPE: Esse elemento determina a velocidade que o time executa suas ações no campo. A equipe se usa de um ritmo muito rápido e muito intenso, que deixava os adversários acuados nos inícios das partidas. Porém, foi um fator que prejudicou um pouco o início da Era Sampaoli. A falta de um jogador que tivesse a capacidade de reduzir o ritmo da equipe em momentos de vantagem fez com que o time perdesse a posse de bola em alguns jogos devido a precipitação de seus jogadores. Com a entrada de Valdívia no time titular e as constantes aparições de Pizarro, o time conseguiu ter mais pausa e mais equilíbrio nesse aspecto.

- MOBILIDADE: Quando em posse, os jogadores da equipe chilena buscam dar opções de passe em progressão, muitas vezes formando os famosos triângulos que muitos dizem ser a essência do futebol moderno e que caracterizou o sucesso do Barcelona. Veja abaixo exemplos de como isso ocorria frequentemente:

No jogo contra a Bolívia, um belo frame mostrando esses triângulos

No jogo contra o Uruguai, um flagra de triangulação na esquerda. Observe como Aranguiz se desloca a frente para facilitar a progressão da bola.

- AMPLITUDE: Esse conceito se explica pelo modo que a equipe ocupa horizontalmente o campo (de lateral a lateral). Uma equipe pode ser larga, quando usa o máximo do espaço lateral do campo em todos os setores; ou estreita, quando posiciona seus jogadores laterais mais fechados. No caso do Chile, podemos observar uma equipe que abusa desse conceito, abrindo seu campo ao máximo limite na defesa, no meio e no ataque, o que condiciona a maiores explorações das laterais. Observe nesses ataques:


Os dois laterais bem abertos, abrindo o leque de opções no ataque


Novamente os dois laterais bem abertos, abrindo campo e esgarçando a linha defensiva adversária, que tem que se preocupar com eles.


- PROFUNDIDADE e PENETRAÇÃO: Conceitos que juntos abordam a ocupação longitudinal (de gol a gol) da equipe no campo e a capacidade da mesma em entrar nas linhas defensivas adversárias. Eles são muito bem explorados em conjunto pela Roja. A linha de defesa chilena, quando o time possui a bola, sempre sobe até mais ou menos o meio campo para que em caso de perda da posse possa se compactar para recuperar a bola rápido. 
             Já na parte da frente, a responsabilidade pela dupla profundidade-penetração no ataque fica por conta dos atacantes, com as entradas em diagonal sem a bola e com os duelos 1 vs 1 com a bola; dos meias, que exploram o espaço entre as linhas de marcação adversárias sem a bola e a conduzem na intermediária adversaria quando tem a bola; e dos volantes, com as chegadas de trás aos espaços livres da defesa adversária sem a bola e com arrancadas em direção ao gol quando tem a pelota. Veja os casos abaixo:

Com Vidal sendo escalado na função de falso 9, ele que fica responsável por tentar empurrar a linha de defesa adversária para trás, gerando PROFUNDIDADE

O mesmo Vidal (circulado de verde), agora escalado de meia do 4-2-1-3, explorando as costas da linha de marcação do meio campo da equipe boliviana, o famoso "espaço entre-linhas". Os atacantes, mais a frente, tentam atacar as costas da defesa, aprofundando a ocupação do espaço de jogo (área interna que o time ocupa) da equipe.

2) MOVIMENTAÇÕES OFENSIVAS COMUNS: OS SUB-PRINCÍPIOS

          Os sub-princípios se definem por padrões de comportamento que abordem situações mais específicas no jogo. Para facilitar a análise deles, os dividirei de acordo com as fases de jogo no ataque, começando desde trás:

a) Saída de bola ou fase 1 ofensiva:

      Para conseguir impor o estilo de jogo ofensivo de circulação curta trabalhada, é necessário que a bola saia limpa desde trás, sem chutões ou passes mascados. Com jogadores que sabem manejar bem a pelota, passando pelo arqueiro Bravo, chegando na primeira linha com Medel e Gonzalez, a bola tende a sair com mais qualidade dali de trás. Porém, o segredo do Chile nessa fase está no meio de campo e se dá pelo nome de Marcelo Díaz. Volante de boa técnica, tem boa visão de jogo e qualidade refinada no passe curto, o que lhe permite que ele sempre tome a decisão correta para a equipe nessa parte, o que é essencial para que a bola chegue a um jogador com mais liberdade.
        Mas uma andorinha sozinha não faz verão, ja dizia o bom ditado. Todo sistema defensivo apresenta um padrão de comportamento nessa fase de jogo. Ele varia de acordo o número de homens que Sampaoli escala atrás. Observem os dois casos, ja citados no post das analises individuais:    

                

             Primeiro, abordarei o segundo caso. Nele temos uma equipe escalada com linha de 3 atrás. Com isso, o zagueiro central se torna referencia na saída, os zagueiros laterais abrem bem e permitem ter um amplo espaço para dificultar a pressão adversária. Diaz entra logo como a primeira opção de passe, se movimentando atrás da primeira linha de pressão adversaria a fim de que o central logo jogue nele a bola para que ele faça a progressão limpa dela.

            Já no primeiro caso, abordamos uma equipe escalada com linha de 4 atrás. Com isso, Diaz se mete entre os zagueiros, toma conta do espaço central, provoca a abertura dos defensores aos lados e permite a subida dos laterais a linha de meio de campo, a famosa "saída lavolpiana", dada em homenagem a Ricardo La Volpe, promotor da ideia. Ela também dificulta a pressão adversaria e permite que os meias e volantes da equipe participem mais ativamente da construção da saída, pois eles recuam para dar a opção de passe a Diaz. Observem como Bravo, também participante ativo dessa fase de jogo logo aciona Diaz, que se posiciona centralizado:


Uso de Bravo como apoio e Diaz como opçao de passe

b) Construção de jogo ou fase 2 ofensiva

           Assim como citei no meu post la atrás sobre a Universidad de Chile que inspirou essa seleção chilena, dividirei a analise da construção de jogo, fase onde a equipe elabora a jogada no meio de campo, entre comportamentos no meio e comportamentos na lateral:

b.1) Comportamentos no meio

- TRIANGULO/LOSANGO CENTRAL: Sampaoli gosta de utilizar ao menos um triangulo no meio campo, já que essa forma é um ótimo jeito de oferecer linhas de passe curtas e de superar as linhas de marcação adversárias. Quando utiliza o 2-1 (triangulo de base baixa), o "1" tende a se movimentar no espaço entre-linhas do adversário, como podemos ver abaixo:


           Já quando usa o 1-2, seja com o triangulo de base alta, seja com o losango, um dos jogadores da base tende a recuar para fazer a dobrada e o outro tende a explorar o entre-linhas como podemos ver abaixo:

Nesse print, apesar de não ter conseguido tirar as imagens de Aranguiz e Diaz, que estavam mesmo mais atrás, podemos ver Vidal explorando o espaço

            Também podemos ver o posicionamento em 1-2 muitas vezes quando Diaz consegue conduzir com liberdade a bola pelo meio:


- RECUO DOS JOGADORES DE FRENTE: É comum de se ver nas equipes de Sampaoli os jogadores de frente vindo buscar jogo nas intermediárias para gerar espaços nas defesas adversárias que jogadores de trás (normalmente os volantes) podem vir a atacar. Podemos ver isso em diversas aplicações, seja no uso do falso 9 com Valdívia, seja nos retornos de Vargas e Sanchez para vir buscar jogo em zonas mais centrais. Vejamos:

Nesse frame, Valdivia (circulo preto) volta mais atrás para dar opção de jogo. Na função de falso 9, ele sai do espaço que um 9 tradicional ocuparia (trapézio) e recua para armar. Observe como o zagueiro venezuelano (verde) fica em duvida se sai de sua posição ou se persegue Valdivia.

Já nesse print, Sanchez conduz a bola pelo meio e Valdívia (10), que normalmente ocupa esse espaço, entra no espaço natural de Sanchez.

- CHEGADA DOS VOLANTES: Apesar de ja ter destacado isso em outras partes do post, prefiro deixar claro a importância dessa movimentação, principalmente feita por Vidal e por Aranguiz. A chegada de trás sobrecarrega a defesa adversária e é dificílima de se marcar. Observem como eles chegam com liberdade:

Nessa jogada, com a saída de Valdivia, Aranguiz (preto) logo tratou de atacar o espaço que ele gerou, chegando com facilidade a frente

Nesse print, Vidal (amarelo) chega com muita facilidade vindo a frente, aparecendo quase que como um centroavante. Com o uso de Valdivia, ele que passou a ser a referencia aérea ofensiva, com essas chegadas de trás.

b.2) Comportamentos nas laterais

- ULTRAPASSAGENS CONSTANTES DOS LATERAIS/ALAS: Em um time que tende a jogar pelos lados, os avanços dos laterais é quase que obrigatório para que ele flua dessa maneira. Com isso, eles tendem a ultrapassar os jogadores de frente, chegando a linha de fundo com frequência para centrarem a bola na área. É comum ver cenas de 2 x 1 nos setores do lado. Veja como isso ocorre dos dois lados:

O lateral direito Isla (preto) faz a ultrapassagem no seu lado chegando a linha de fundo

Idem para Mena (preto), ultrapassando pela esquerda

- INCORPORAÇÃO DOS HOMENS DE MEIO AO LADO: Para sobrecarregar o lateral adversário, é comum de se ver nessa equipe a chegada dos homens de meio, sejam eles volantes ou meias aos lados para fazer número nessa área do campo.

Vidal (amarelo) cai pelo lado direito

Valdívia (preto) cai pelo lado esquerdo

- ABERTURA DOS CORREDORES LATERAIS: Atitude comum em muitos times, os jogadores mais a frente se movimentam de fora para dentro para puxar o lateral adversário para o meio, ou então puxando o zagueiro do lado, abrindo espaço/corredor na defesa para o lateral/ala vir de trás com liberdade.

Atacante puxa zagueiro para o meio (setinha amarela) e abre espaço para que Diaz (21) passe entre ele e o lateral adversário. Isla (la em cima) ataca esse espaço e chega a linha de fundo

Vargas diagonaliza e abre espaço para Mena 

c) Transição ofensiva ou contra-ataques

                Transição ofensiva se dá pelo momento em que o time rouba a bola e começa um novo ataque. Dizem que o futebol moderno tem nas transições a sua principal fundamentação. Cada vez mais elas aceleram e ficam mais difíceis de se marcar. No caso da seleção chilena, ela é feita de maneira muito rápida, com alas e pontas voando pelos lados, com no mínimo 1 de cada lado e jogadores dando opção no meio ao portador da bola, que normalmente puxa esse "contra-ataque pelo meio. Observe os dois casos:

Como a bola veio pela direita, correu o ala desse lado (Medel), o ponta do outro (Vargas), Valdivia com a bola e Sanchez dando opção.

Nesse frame, o contra-ataque esta sendo puxado pelo lado. Três aglomeram pelo meio e tem no minimo um aberto de cada lado. 

d) Finalização ou fase 3 ofensiva

             Essa fase de jogo é a que a equipe ja está no quarto final do campo, elaborando o último passe para que se concretize a finalização. E há padrões de comportamento que determinam as ações nessa parte:

- APOIO POR DENTRO DO LATERAL QUANDO PONTA ESTA NA LINHA DE FUNDO: Quando Vargas/Sanchez/Beausejour estão mais abertos com a bola, os laterais entram em diagonal, para não ocuparem o mesmo espaço. Isso fica claro nessa jogada abaixo:


- PASSE NAS COSTAS DA DEFESA: Característica que foi reforçada com a entrada de Valdivia, o passe em ruptura, nas costas da defesa adversária, virou uma grande característica do Chile. Veja nesse lance mais uma entrada de Aranguiz e como Valdívia acionou-o perfeitamente nas costas da linha de defesa:


- "FACÃO" EM DIAGONAL DOS ATACANTES: Explorando a velocidade de Vargas e Sanchez, é muito comum ver essa movimentação em diagonal. Eles caminham em paralelo a linha defensiva adversária e quando o jogador com a posse der o passe, eles atacam as costas da defesa. Veja abaixo a movimentação de Vargas:


- SOBRECARGA NA ÁREA ADVERSÁRIA: Característica pura do Bielsismo, a chegada na área com muitos jogadores é muito comum. Volantes, meias e inclusive alas, chegam para tentar a finalização dentro da área quando o time está com a posse no último quarto do campo pelos lados. Veja:

Observe como o ala oposto Isla chega a área também para tentar a finalização. Volantes como Vidal e Aranguiz e os atacantes também aparecem por lá

         É, eu avisei que o post iria ser longo. Mas foi um belo presente de natal aos apreciadores. Esse é o ultimo post dessa série Chile, que me trouxe muitos elogios e reconhecimento. Acho que deu pra entender como joga a equipe, correto?
                  Aos que lerem esse post, um feliz natal a todos. Comam muita rabanada e se entupam de chester que nem eu farei. Abraços!






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